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quarta-feira, agosto 31, 2005

Blues, rhythm, rhythm and blues


Philip Hamilton

Quem esteve a noite passada no Speakeasy - e que bem que sabe sair à terça-feira como se fosse fim-de-semana - pôde comprovar, ao vivo, o que uma grande voz tem de diferente das demais. E quem levou um dos CD's de Philip Hamilton consigo para casa (e por que não os dois?) poderá ouvir comprovado que se existe alguma coisa que um espectáculo traz em relação à música gravada, isso é a ampliação de todas as qualidades que um disco não pode conter. E Philip Hamilton canta(ou) pra caraças!

Mais futebol



Obrigado Rochemback. Previa eu que este era o ano em que explodirias definitivamente no Sporting (comprei um postalinho e tudo...). Irás fazê-lo, mas no Middlesbrough.



Bem-vindo João Alves. Oxalá te adaptes com tanta naturalidade ao Sporting como o fizeste na elogiada estreia pela Selecção Nacional. E que metade do teu passe valha pelo dobro em construção de jogo.

Nos melhores Téchiné


Catherine Deneuve e Gérard Depardieu

Tempos que mudam...


Angelique Kidjo

Música que fica.

terça-feira, agosto 30, 2005

Abram alas!



Wender e Douala.
Douala e Wender.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Malucos do riso



Come inguaiammo il cinema italiano (que numa tradução livre pode dar uma coisa do género "como afundámos o cinema italiano") não tem a fúria iconoclasta dos filmes puramente ficcionais de Daniele Ciprí e Franco Maresco uma vez que se trata de dar conta da enorme popularidade da dupla de comediantes seus conterrâneos - Franco Franchi e Ciccio Ingrassia - que dominaram o cinema e a TV italiana na década de 60, protagonizando dezenas (centenas) de filmes e sketches que fazem parte do imaginário popular da época e que até mesmo alguns críticos cinematográficos tendem a recuperar do preconceito snob com que os mesmos objectos foram à altura olhados pelo meio artístico dito sério.
Se o filme de Ciprí e Maresco é interessante pela quantidade de material apresentado, pela riqueza humana dos depoimentos que a dupla sabota quando menos esperamos e por essa procura de uma certa irreverência num formato normalizado, já o registo de Franco e Ciccio me parece irremediavelmente datado e à prova de riso. Eles formaram, em versão italiana, a dupla clássica do cómico sério e do cómico histriónico, e reconhecendo embora que a destreza facial de Franchi mais a sua infindável bateria de onomatopeias até se pode aproximar de um Jerry Lewis modesto, o produto final é mais da ordem de uns "talentosos" "malucos do riso" sicilianos com maior apetência pelo caos. Mas não passam de antepassados dos nossos "malucos do riso", destinados a fazer rir até o mesmo tipo de espectadores. Come inguaiammo il cinema italiano talvez não seja para ter piada, mas para falar à memória colectiva e por consequência ao coração. E fala.

Classificação: (6/10)

Nota: da passagem do filme pelo Festival de Curtas Metragens de Vila do Conde.

Agradecimento: à T. que me trouxe este DVD de Itália porque não encontrou o Totò che visse due volte.

Uma questão de (falta de) confiança

Ao intervalo o Sporting contabilizava 15 remates à baliza de Marcos - o triplo do que o Marítimo efectuara em tempo igual - e a tendência não se alteraria nos segundos 45 minutos: três vezes mais remates para o dobro de ataques. E mais de um terço dos remates efectuados tiveram lugar em situações de quase golo feito.
A não alteração do marcador devia-se, então, exclusivamente, à desinspiração dos avançados leoninos - Douala, Deivid e Liedson. Alguma infelicidade e falta de confiança também passaram por ali.
Mas o "levezinho" resolveu despertar no segundo tempo e daí até dar dois nós cegos no puto do Mourinho (pobre Nuno Morais) foi só uma questão de oportunidade. Liedson bisou e o Sporting sofreu um golo já em período de descontos, repetindo o resultado frente ao Belenenses (vitória por 2-1) e voltando a mostrar bom futebol aliado a uma incompreensível insegurança.
Precisamos de um jogo exemplar com o Benfica para afastar a crise, e só um dérbi triunfal poderá conseguí-lo em mais do que um sentido. FORÇA Spooooorting! Spooooorting! Spooooorting!

domingo, agosto 28, 2005

Riscar uma vida



Pela primeira vez em três anos um dos gatos passou a noite fora de casa. Ao relento, quero dizer. Apercebi-me disso quando acordei sobressaltado não eram ainda seis da manhã. Entrei pela janela do terraço que tinha permanecido aberta para o bicho poder entrar, e desatei a chamar por ele tão alto quanto o silêncio da madrugada e as regras da boa vizinhança permitiam. Nada. Depois é que foi o bom e o bonito. De lanterna no bolso de trás dos calções, desci e subi telhados - arrastando apavorado os meus noventa e seis quilos (da última vez que me pesei), esfolando pernas e braços, sentindo nos nervos o mínimo ranger de telha - e percorri sob tensão outros dois terraços que uniam o meu prédio ao imóvel do lado e a outras casas que davam para as traseiras.
O pior foi quando julguei reconhecer o miar do gato não estando certo de ser também dele o vulto que via andar de um lado para o outro, num jardim em obras, quatro andares abaixo. O miar deixou de se ouvir (ou não, não estou certo) e regressei à cama enervado por temer pela vida do bicho e por haver desafiado de novo vertigens galopantes no trajecto de volta. Passei o resto da noite quase em claro. Voltei aos telhados já era dia, mais petrificado do que antes, e do gato nem sinal. Nem sinal, nem ruído, que com o nascer do sol os barulhos todos se confundem.
O Porgy apareceu no final da manhã a miar num parapeito esconso por cima da porta da rua. Tirá-lo de lá foi outra aventura. Qualquer escadote por mais pequeno que seja faz-me enxergar o chão de uma altura de mais de três metros. Não faço ideia de como o Porgy foi parar ao sítio de onde, assustado (ele não costuma ser assim tão carinhoso...) e imagino que aliviado, chamou por mim. Se “arrisquei” a vida por ele, o gato terá riscado uma vida por mim e por todos os que vivem cá em casa. Somos quatro. Uma família de gente e de gatos que adoraria nem que apenas por hoje falar a mesma linguagem. Como terá ido o Porgy parar quatro andares abaixo sem nada a não ser uma velha parede onde se arranhar? Morrerei com a dúvida, um outro dia.

sábado, agosto 27, 2005

Cantar de galo



Com Jorge Baptista (nota máxima!) a defender como o vimos fazer hoje, esta noite ninguém ganhava ao Gil Vicente. Mas o Benfica acabou enxovalhado (0-2). Pior era difícil: olha para mim có-có-ró-có-có...

Budd, Bernocchi, fragmentos



Harold Budd disse este ano adeus às edições discográficas com aquele que considero, à data, o mais belo álbum (duplo-álbum!) de 2005: Avalon Sutra, gravado para a Samadhi Sound de David Sylvian. O "novo" Music for 'Fragments from the Inside' resulta da colaboração pontual com o DJ e sound designer italiano Eraldo Bernocchi - registada ao vivo em Junho de 2003 - figura que, confesso, desconhecia por completo.
Para ir directo ao miolo do possível cruzamento de referências suscitado por esta música ambiental, downtempo e electro-acústica, digo que o CD de Budd e Bernocchi podia vir assinado Richard Dorfmeister e Rupert Huber, isto é, Tosca, que seria recebido como a continuação desejada de Suzuki, a quase obra-prima que a dupla austríaca não mais veio a repetir.
Não estando, no caso, ao nível de Avalon Sutra (para não encerrar o capítulo dos "clássicos"), é ainda, felizmente para os nossos ouvidos, de beleza que se trata. O texto que sobre Music for 'Fragments from the Inside' escreve Thom Jurek, no indispensável All Music, diz o mais importante e é justo até na classificação atribuída. Leiam aqui.

Perfil alto



Kanye West terá muito em breve um novo disco e o seu site oficial remodelado. Mas não será por isso que o homem se diz deprimido. Na dúvida, fiquem atentos como eu.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Nova soul, aleluia!


... e a realidade fez-se [John] Legend

Get lifted, de John Legend, e Be, de Common, têm em comum o facto de contarem com a colaboração do músico/ produtor Kanye West mas as razões que fazem deles, de muito longe, os melhores discos de R&B, hip hop, soul, que ouvi em meses recentes vai bastante além disso.
Como já aqui dei conta do meu entusiasmo pelo último Common, é altura de falar de John Legend, nascido John Stephens, cujo talento manifestou-se era Legend ainda um "joãozinho" que tomava contacto com a música de outras lendas a que vinte anos mais tarde vem juntar o seu nome: o rapaz via e ouvia Michael Jackson e achava que podia fazer o mesmo.
Não se enganou, graças a ele próprio mais o seu talento. A música de Legend vem das referências clássicas da música urbana (e rural) afro-americana, algumas anteriores ao próprio Jacko: pensem em Stevie Wonder que tal como John Legend, ou este tal como esse, possui uma bela voz gospelizada e que escrevia muitíssimo bem, também, nos sentidos literário e musical. E pensem na Badu, no Bilal, no D'Angelo, no Donnie, na Scott, na Evans e em tudo de bom que a nova soul (de nu-soul) nos vem dando cada vez menos e que por essa razão tendemos a valorizar no sentido oposto.
Get lifted é um disco para celebrar que melhora a cada nova audição; a única coisa que não muda é o reconhecimento de que a grande canção - o seu clássico para a posteridade - encontra-se na canção Ordinary people, servida apenas pela voz e pelo piano, que possui aquele carácter intemporal do melhor Donny Hathaway.
Isto é música capaz ainda de mover montanhas (quero dizer, sentimentos, estados de alma), embora já assente na versão modernizada da soul a que não são alheias algumas batidas electrónicas características do séc. XXI. Detalhe que não deverá alhear o sentido crítico, nem o dos mais puristas nem o dos adeptos de renovação, porque afinal a capacidade deste género musical se transcender não passa por outra coisa que a voz, que em Legend é GRANDE.

Classificação: (8/10)

segunda-feira, agosto 22, 2005

Nabokov, Vladimir



(...) O que sinto ser o verdadeiro mundo real é o mundo que o artista cria, a sua própria miragem, que se torna um novo mir (mundo em russo) pelo próprio acto de esclarecer, por assim dizer, a época em que vive. A minha miragem é produzida pelo meu deserto privado, um lugar árido mas ardente, com o cartaz «Proibida a Entrada a Caravanas» pregado no tronco duma palmeira solitária. Evidentemente, existem realmente bons espíritos cujas caravanas de ideias gerais conduzem a alguma parte, a bazares interessantes, a templos fotogénicos; mas um romancista independente não pode tirar muito proveito autêntico em ir também.

(...) Permita-me que simplifique, dizendo que na minha política de salão, assim como nas minhas declarações ao ar livre (quando domo, por exemplo, um estrangeiro volúbil que está sempre pronto a juntar-se aos nossos manifestantes domésticos nos seus ataques à América), contento-me em observar que o que é mau para os Vermelhos é bom para mim. (...) tenho consciência da existência em mim dum núcleo central do espírito que lança chamas e escarnece perante a força brutal dos Estados totalitários, como a Rússia, e os seus embaraçosos tumores, como a China. Uma característica do meu panorama interior é o abismo absoluto que se escancara entre o emaranhado de arame farpado dos Estados policiais e a espaçosa liberdade de pensamento de que gozamos na América e na Europa Ocidental.

(...) Recuso-me também a encontrar mérito num romance apenas porque é dum honesto preto de África ou dum honesto branco da Rússia, ou de qualquer representante de qualquer grupo da América. Francamente, uma aura nacional, folclórica, de classe, maçónica, religiosa, ou qualquer outra de ordem comunitária põe-me involuntariamente de pé atrás contra um romance, o que me torna mais difícil descascar o fruto oferecido para chegar ao néctar do possível talento.

[entrevista ao The New York Times Book Review (1968) em Opiniões Fortes, Assírio & Alvim, 2005, págs. 141/142]

Negar Fogo



(...) Às vezes negar fogo tem as mesmas causas do motor afogado. Do motor que não funciona não por falta de combustível, mas por excesso. Isto é: você está tão a fim, tão a fim que não consegue. É um motivo perfeitamente respeitável que não deve afligir ninguém, embora seja o mais frustrante. Sua causa é o perfeccionismo. Você finalmente vai fazer amor com a mulher dos seus sonhos. Um ideal que você persegue há anos, ou alguma beldade famosa que por uma dessas dádivas da providência cruzou olhar com o seu e disse com o olhar que sim. E agora você está prestes a possuí-la. Tudo tem que ser perfeito. Esta é a transa com que você se consolará nos anos do seu declínio, quando sua única zona erógena será a memória. É a transa que você contará para os seus netos.
A mulher dos seus sonhos já está na cama. A cama é perfeita. A iluminação é perfeita. A temperatura é perfeita. A umidade relativa do ar, os índices médios da bolsa, a colocação do Botafogo no campeonato, tudo. Só falta uma coisa. Seu tecido eréctil está fazendo que não é com ele.
A mulher da cama pergunta por que você está assoviando. Você diz que é de contente. Ela pergunta por que você não vai para a cama. Você diz «você notou a vista daqui?», e dirige-se para a janela. Você se atira da janela, para ganhar tempo.

[Luis Fernando Veríssimo, O Melhor das Comédias da Vida Privada (Dom Quixote), págs. 62/63]

Uma história de filiação, uma história de violência



Proponho uma genealogia sintética: Elia Kazan, Jean-Luc Godard, Martin Scorsese, Quentin Tarantino e agora Jacques Audiard. É a história da iconografia masculina no cinema, uma história de violência. E consequentemente de emoções. Quando olho para a manga da camisa ensanguentada de Romain Duris (Tom, protagonista de De tanto bater o meu coração parou) lembro-me dos anti-heróis "canídeos" de Tarantino que muito sangravam o branco imaculado da roupa, o que lhes dava uma componente quase crística, muito cool. Audiard filma com câmera frenética como Tarantino, como o Scorsese à flor da pele de Mean streets, Os cavaleiros do asfalto. O realismo ampliado pela proximidade da câmera, truncado, em bruto, também recorda no plano estilístico o cinema dos irmãos Dardenne, referência aparentemente desconectada das restantes mas talvez não tanto como isso.
Gostei do filme de Jacques Audiard, De tanto bater o meu coração parou, mais pela originalidade da proposta dramatúrgica do que pelo estilo de realização e montagem que, na minha opinião, é demasiado vistoso. Questão de pormenor que se apaga quando o importante é falar do encontro com uma história nova (mesmo sabendo nós tratar-se do remake dum filme americano dos anos 70) que fala de um dos temas mais importantes da vida: o modo como ficamos reféns daquilo que passa para nós da natureza dos nossos progenitores. E como vamos fazendo da vida uma constante recusa e atracção por isso mesmo.



Tom (Romain Duris) despeja violentamente moradores clandestinos e diz-se agente imobiliário, tal como o pai (Niels Arestrup, cara e corpo chapados de um Marlon Brando nórdico), que no seu tempo não devia ser menos violento do que Tom é agora. E depois o filme de Audiard inflecte para o campo da sensibilidade, pelo aparente desejo de Tom em retomar os estudos de piano e abandonar a sua identidade de "cão danado". São os momentos em que o filme quase deixa de ser noir para passar a ser solar, faz como que pausas (graças às diferentes figuras femininas que são portadoras do inesperado - dos sentimentos - no filme de Audiard...), antes que o protagonista tome consciência de que o seu compromisso com a violência, com o pai, é (?) para a vida. E que uma vez surgidas as circunstâncias devidas, Tom não terá como não repetir a sua história de violência acrescentando-lhe mais um capítulo.

Classificação: (7/10)

sábado, agosto 20, 2005

The legend begins...


John Legend

Ordinary People

Girl i'm in love with you
This ain't the honeymoon
Past the infatuation phase
Right in the thick of love
At times we get sick of love
It seems like we argue everyday

I know i misbehaved
And you made your mistakes
And we both still got room left to grow
And though love sometimes hurts
I still put you first
And we'll make this thing work
But I think we should take it slow

We're just ordinary people
We don't know which way to go
Cuz we're ordinary people
Maybe we should take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow

This ain't a movie no
No fairy tale conclusion ya'll
It gets more confusing everyday
Sometimes it's heaven sent
Then we head back to hell again
We kiss then we make up on the way

I hang up you call
We rise and we fall
And we feel like just walking away
As our love advances
We take second chances
Though it's not a fantasy
I still want you to stay

We're just ordinary people
We don't know which way to go
Cuz we're ordinary people
Maybe we should take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow

Take it slow
Maybe we'll live and learn
Maybe we'll crash and burn
Maybe you'll stay, maybe you'll leave, maybe you'll return
Maybe another fight
Maybe we won't survive
But maybe we'll grow
We never know baby youuuu and I

We're just ordinary people
We don't know which way to go
Cuz we're ordinary people
Maybe we should take it slow (Heyyy)
We're just ordinary people
We don't know which way to go
Cuz we're ordinary people
Maybe we should take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow (Take it slow oh oh ohh)
This time we'll take it slow

John Legend, Get Lifted

Sakamoutros



Muitos de nós estaríamos no direito de esperar um álbum acomodado de Ryuichi Sakamoto, o seu primeiro disco a solo em sete anos (como refere Vitor Belanciano no Y de ontem). O músico surpreende com um disco incómodo, em que cada faixa cria uma espécie de ruptura com a anterior. Daí o título: Chasm, abismo, diferença, separação, lacuna... Até parece que a aventura musical do japonês apenas começou. Perguntem a Sakamoto que vos saberá responder melhor do que eu.

Nada mais especial do que uma criança normal


Freddie Highmore (Charlie) reencontra Johnny Depp depois de Em Busca da Terra do Nunca

Tenho dúvidas de que Charlie e a Fábrica de Chocolate seja dos melhores Tim Burton de sempre, mas ninguém me convence de que o filme não é, juntamente com Marte Ataca!, um dos objectos mais subversivos, mais contracultura do realizador norte-americano.
Está visto que o que mais apreciei no novo Burton passa pela guerra aberta que o filme estabelece com o cinema, e não só, naquilo que passa pelo modelo que as crianças cada vez mais assimilam afectivamente. Charlie e a Fábrica de Chocolate é o anti-Harry Potter, é o anti-Spy Kids, é o anti-Senhor dos Anéis. Willy Wonka, o dono da fábrica interpretado pelo estupendo e mumificado Johnny Depp, está-se borrifando para crianças sobredotadas com laivos de super-herói pré-púbere. Aliás, até o vemos experimentar algum prazer (culpado) com as torturas que o seu mundo de fantasia calórica e colorida impõe à criança alarve, à criança caprichosa, à criança hiper-competitiva e, por último, à criança super-inteligente viciada em TV e videogames. O fantástico mundo de Wonka – musicado por Danny Elfmann como se o compositor estivesse possuido pela veia criativa dos The Sparks – que passará a ser o mundo de Charlie e da família deste, só acolhe a bem o rapazinho normal, aquele que conserva a pureza e ingenuidade próprias da idade que tem.

Mas Charlie tem também algo a oferecer a Willy Wonka: em troca do maravilhoso universo de chocolate, Charlie retribui com qualquer coisa de mais valioso. Charlie proporciona-lhe a possibilidade de viver em família, algo fundamental para que Willy Wonka possa finalmente habitar uma infância igual à de muitas outras crianças: marcada pela normalidade (bem, com um toquezinho de excentricidade ou não estivessemos num filme de Tim Burton) que em nada afectará, muito pelo contrário, a qualidade da produção doceira.
Tim Burton promove assim um modelo cultural rétro, camp e caloroso que faz frente a tudo o que parece ter por único objectivo a formatação de um imaginário dominado e a promoção acelerada das crianças ao estatuto de pequenos adultos. Willy Wonka (aliás, Tim Burton) trata-lhes do sarampo. Váo ver se não é assim!

Classificação: (7/10)

Deivid



Há coisas que definem o homem que são para mim tão importantes como a técnica e o faro da baliza que definem o jogador. Depois de marcar o golo que deu o triunfo ao Sporting sobre o Belenenses (2-1), Deivid correu para Ricardo e abraçou o guarda-redes do Sporting - em jeito de dedicatória - que havia sofrido minutos antes um daqueles golos indesculpáveis até num guardião de média categoria.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Clones partout


Ewan McGregor (Lincoln Six Echo) e Scarlett Joahnsson (Jordan Two Delta)

Algum dia tinha de acontecer. Na semana em que entre nós estreia o mais recente filme de Michael Bay, A Ilha, uma notícia das páginas de cultura do Público dá conta da polémica suscitada pelo novo romance de Michel Houellebecq, La Possibilité d’une Île, que aguarda publicação mas que é dado já como o candidadto mais forte ao prémio Goncourt. Aqui ficam alguns excertos da mesma notícia:

«Como ninguém o leu ainda – a não ser um punhado de jornalistas definidos por Rinaldi [Angelo Rinaldi, director do suplemento literário do diário Le Figaro e membro da Academia Francesa] como “os favoritos em que se pressupõe a admiração” –, o crítico narra assim o “encontro fortuito” do romance tão esperado: (...) o romance de Houellebecq, que mistura “informática, genética e clonagem” centra-se na vida do “narrador, Daniel, clone n.º1” (...) a errar num planeta calcinado por uma catástrofe nuclear. “O planeta está povoado de ‘neo-humanos’, indivíduos do antigo modelo que servem de alvo aos clones, para os distrair (...) Com medo de envelhecer, a amante de Daniel suicida-se (...) Daniel encontra ainda um guru que promete (...) um orgasmo permanente aos seus discípulos reunidos em congresso numa fortaleza.”» (Ana Navarro Pedro, Polémica na rentrée literária em França, Público, 6ª Feira 19 Ago.)

O que pretendo insinuar é que, pormenores à parte, parece que neste caso a estreia do filme antecipa o lançamento do livro. Quero dizer, andam todos à procura da fórmula de sucesso: realizadores americanos de blockbusters e escritores franceses exilados na Irlanda. São os inevitáveis caprichos da cultura popular onde, definitivamente, não há coincidências. E eu que até gosto e muito dos dois primeiros livros de Michel Houellebecq, não resisto a tentar responder a um provocador com uma provocaçãozinha.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Mourning sunset



Som é sinónimo de William Parker.

Al Lawrence


Lawrence (Peter O'Toole), o xeique em branco

Lawrence da Arábia, Lawrence of Arabia é uma fantasia masculina transformada em épico de aventuras. Se o filme de David Lean, que data de 1962, que recebeu 7 Óscares no ano seguinte, e que foi alvo de merecido restauro no final da década de 80 - que lhe restituiu a duração original (220 min.) de acordo com o desejo do realizador britânico -, fosse hoje produzido sem recurso a efeitos digitais, custaria qualquer coisa como 280 milhões de dólares. O dinheiro dá uma ideia da escala do projecto para aqueles que como eu nunca tinham assistido em cinema ou DVD à história romanceada da vida de T. E. Lawrence, um inglês que durante a I Grande Guerra terá consigo unir várias tribos árabes na luta contra o invasor turco, o que muito interessava à tropas inglesas e francesas.
Se me refiro a uma fantasia masculina a propósito de Lawrence of Arabia, é porque sendo embora um filme de aventuras com fundo político, a complexidade da figura do herói – por certo uma projecção da megalomania do próprio David Lean – atribui-lhe um conjunto de factores que suscitam perplexidade. O primeiro, que estará ligado mais intrinsecamente ao próprio contexto onde a acção tem lugar, é a total ausência de figuras femininas: vê-se uma ou outra enfermeira de passagem, talvez corpos femininos numa aldeia chacinada pelas tropas turcas e nada mais. Quem arriscaria tal ousadia, nos dias que correm ao sabor de leis de mercado cada vez mais estanques? Depois, ainda relacionado com o universo fortemente masculino do filme de Lean, temos a tensão erótica que se estabelece entre o vagamente excêntrico e assexuado Peter O’Toole (Lawrence) e o seu aliado Ali (Omar Sharif), que a partir desta aventura saltou para o ribalta dos galãs de Hollywood desejados no mundo inteiro. Sabendo do rigor que David Lean colocava na escolha dos protagonistas, não terá sido ingénua a intenção de fazer confrontar o perfil esquálido e imberbe do inglês com a masculinidade tórrida de Ali, queimado pelos ares quentes do deserto e ostentando uma muito insinuante bigodaça.
A estranheza, ou a complexidade, se preferirem, de Lawrence da Arábia deve-se sobretudo, como já foi dito, ao personagem principal, o jovem individualista T. E. Lawrence destacado para se encontrar com o príncipe Feisal (Alec Guinness), líder supremo do povo árabe e um aliado cobiçado pelas tropas de Sua Majestade. Quando Lawrence entra no deserto (e nós com ele) dá-se uma qualquer epifania que evoluirá num crescendo cada vez mais utópico. Lawrence diz pretender a unificação e a liberdade dos árabes, defendendo a sua ideia de autodeterminação tendo como origem a cidade mítica de Damasco. Mas o filme de Lean como que lhe antecipa essa impossibilidade com epísódios que focam os reais interesses dos homens: tirar o máximo proveito para si próprios, ignorando os benefícios comuns. Lean coloca de um lado o idealismo de Lawrence e do outro o oportunismo dos governantes, líderes e chefes, quer estes sejam árabes ou ingleses. O próprio Lawrence será sujeito a um processo de corrupção moral, a partir da altura em que tem de violentar os seus impulsos mais genuínos para não colocar em risco aquilo que considera ser um desígnio maior. Lawrence atravessará uma espécie de insanidade, relacionada ainda com a sensação de perda de identidade cultural, que precipitará a sua retirada e que é descrita com os episódios mais cruéis do épico de Lean: a atracção pela violência nas sucessivas pilhagens e assassinatos das tropas turcas e a perturbante cena na prisão turca que expõe a ambiguidade de Lawrence enquanto objecto sexual.
No final, Lawrence pedirá para regressar a Inglaterra onde viria a morrer anos mais tarde de acidente de moto (com que aliás o filme começa). Nas palavras síbilinas do príncipe Feisal, em Damasco, a sua missão tinha chegado ao fim. Os jovens, munidos da paixão e dos ideais que caracterizam essa idade, servem para fazer a guerra. Para depois virem os mais velhos tratar da divisão do que entretanto fora conquistado. David Lean conseguiu ser jovem na tradução poética do fascínio que o deserto representa enquanto terreno de possibilidades ilimitadas e também abismo onde nos podemos perder para sempre, e conseguiu ser velho também no modo como expôs as fraquezas e o cinísmo dos fazedores de política. Cerca de quarenta anos depois, Lawrence da Arábia é um filme mais perigoso do que nunca: nele se mostra como a vida é um processo de anulação do indivíduo e de todo e qualquer ideal. Só a morte poderá ser de facto um retorno à experiência libertadora. Al Lawrence que estais no céu!

Classificação: 8/10

quarta-feira, agosto 17, 2005

Últimos suspiros



De Rivette a Sautet (e a Chabrol), também eu suspirei muitas noites por Emmanuelle Béart. Não me obrigues a fazê-lo de novo... por favor.

Intenso


Michael Blake

Michael Blake tem um novo CD em trio, com Ben Allison e Jeff Ballard, na Clean Feed Records. A música é como que uma aproximação ao free dando um passo atrás. E, meu Deus, como esse passo é decisivo!

terça-feira, agosto 16, 2005

Haunted heart


Renée Fleming


«This is (...) a personal journey back on a road not taken.»

(a cantora lírica Renée Fleming referindo-se ao seu novo CD que é preenchido com baladas, standards e outras canções populares igualmente imortais. Belo e inesperado disco de uma voz belíssima)

E se...

segunda-feira, agosto 15, 2005

Provas

Que tal o vinho? Descoberta que devo ao Aviz que tão bem aprova.

Respeitem meus conselhos tintos

Vinhos de combate para tempos de crise, com preços entre entre os 3 e os 4 euros. Experimentem Quinta dos Grilos, 2003 (Dão) e Altano, 2003 (Douro). Prestando atenção à temperatura a que os bebem.

Microcosmos


Paolo Conte

Paolo canta. Grande Paulo. Dentro de água e com o olhar ao nível da borda da piscina, acompanho fixamente os movimentos de uma formiga solitária que teima em atirar-se para o caldo (28ºC). Retiro-a da água umas três vezes, ela aprende o sentido da vida e vai à sua. Termino a minha Sagres antes que esta também morra. Paolo canta ainda. Grande disco.

Às oito da manhã, Osmar Santos juntou-se a Jaime Ramos à mesa do restaurante

«É cristão, Osmar?»
«Todos são cristãos neste país. Mesmo os judeus, os budistas, os muçulmanos, os rastas, os ufologistas, os que acreditam que só há vida em Júpiter, são todos os dias bombardeados com a imagem de Cristo. Cristo te ama. Confia em Cristo. Vive em Cristo. Cristo salvador. Quando tivermos um presidente evangélico talvez isto se resolva, todo o mundo passará a ser ateu. Por desfeita. E você, Ramos?
«Já passei pela idade de escolher religião. Agora estou a envelhecer.»

«Foi rápido, você, Ramos. Muito rápido. Se vê que tem gosto em trabalhar. Esteve em Educandos ontem à tarde. Você gostou?»
«E eu devia gostar?»
«Não. Não há nada de bom em gostar de miséria, nem de pobreza. Rico e intelectual sim, apreciam a miséria. Eu vivo num país em que a pobreza é elogiada todos os dias, não apenas como uma virtude, mas também como uma característica profunda do próprio Brasil. É natural, são os ricos que escrevem essa bobagem, jornalistas que vivem em Ipanema. Pobre brasileiro é como soldado desconhecido. Vocês têm soldados desconhecidos, lá em Portugal?»
«Bastantes.»

O vento, as florestas, o fogo, os pássaros. Isso não me interessa. As histórias dos Árabes sim, essas me interessam muito. Não é por razão alguma em especial, mas me agradam, reconheço elas, falam de minha casa, dos meus segredos. De vez em quando tenho sucesso com as mulheres por causa destas histórias, elas pensam que cacete de árabe é coisa séria, quase como cacete de preto. Que temos poderes fantásticos, afrodisíacos, a força do Profeta.»
«Não tem sorte comigo, Osmar.»

[Francisco José Viegas, Longe de Manaus (Asa), págs. 297, 298 e 305]

sexta-feira, agosto 12, 2005

Uníssono, poeta desconhecido



Jacques Coursil é um histórico da vanguarda jazzística nova-iorquina que já não gravava desde 1969. Fez agora um disco com três fanfarras que vai pouco além da meia-hora de música. Só? Pura ilusão! As novas composições de Coursil dirigem-se ao infinito, a uma qualquer zona recôndita e inefável que todos possuímos e exigem que a circularidade da sua estrutura – doze trompetes tocados pelo mesmo músico que se sobrepõem uns aos outros recorrendo à técnica da respiração circular e à mistura em estúdio conhecida por overdub – se prolongue através da escuta multiplicada, em contínuo, das referidas fanfarras.
Coursil nasceu em Paris, filho de emigrantes martinicianos. Fez estudos musicais em Nova Iorque enquanto dispersava os seus interesses por Proust, pela Linguística, pela Lógica e pela Inteligência Artificial. Ainda na América gravou com Anthony Braxton, Sunny Murray, Sun Ra, Sam Rivers, Rashied Ali, entre outros, e de súbito trocou o free-jazz pelo ensino de Teoria Linguística nas Antilhas paternas.
As três fanfarras compostas em 2004 que marcam o regresso do histórico Coursil às gravações remetem, na minha opinião, para origens díspares e fascinantes: a sonoridade de Miles Davis no filme Siesta, de Mary Lambert; as composições de Morricone para os filmes de Leone; a musicalidade a tender para o uníssono dos intrumentos de sopro tibetanos; finalmente o minimalismo espectral de Morton Feldman – daqui quem sabe o título deste CD, Minimal Brass (fanfarres for a poet) -; mas acima de tudo música de luminosa aura e enorme espiritualidade.
Minimal Brass (Tzadik/ Flur) é como uma súmula que dá a ideia de dirigir-se a um qualquer ponto de origem. Descobrirá esse mesmo ponto, especulo eu, todo aquele que pela audição repetida conseguir escutar uma só voz nas doze identidades tímbricas de Jacques Coursil. Provavelmente o que o músico procurará ainda – talvez com a consciência de que só na morte nos tornamos unos e indivisíveis.
Disco do ano – cá vai outro!

Classificação: 9/10

Ao Nuno Valente, leitor de blogues

- Valente amigo, rescinde! Que jeito davas ao Sporting!

... e à Selecção também...

Niilista inofensivo ou umbiguista inconsequente?



Terminaram os tempos das rupturas. Queremos viver em paz e não me atribuam papéis e destinos que não sinto serem os meus. Estou farto de grandes profecias e de missões impossíveis. Desejo ser apenas um tipo normal, nem Deus, nem Diabo. Não quero fazer parte de nada em especial. Não me interessa a história do homem, nem o seu futuro. Não pretendo ser responsável de alguma coisa. Demito-me de todos os cargos e lideranças. Abomino as vanguardas e os modernismos. Ignoro a intelectualidade e os seus amanuenses. A filosofia não me ajuda e a estética incomoda-me. A literatura irrita-me, os escritores causam-me vómitos e a música transforma-me em vítima. O cinema é um antro de pornografia e a TV é uma prática ninfomaníaca. Estou rodeado por uma cambada de arrependidos e de tipos terrivelmente chatos. O aterro sanitário onde esta gente se exibe é o cúmulo de uma paródia demente. Aposto que depois disto vão classificar-me como mais um niilista inofensivo. Estou farto desta porcaria! Ivo Martins

Acreditem ou não, esta é a recensão que Ivo Martins apresenta ao CD de Don Byron, Ivey–Divey, na última edição da revista Op – #16, Verão 2005, publicação que ao contrário do supracitado-texto-pseudo-situacionista muito se recomenda. Também em tempos, e deveras irritado com o filme Pola X, de Léos Carax, decidi-me a participar no site Cinema2000 com uma crítica ao mesmo constituída exclusivamente por letras de músicas de Jorge Palma e de Marco Paulo(?). Quando dei conta do disparate, resolvi abrir um blogue que é o espaço indicado para tais babugens.
É o que sugiro ao Ivo que faça. Até porque acredito que os leitores da Op passam bem sem os seus desabafos fora de contexto (“sr. editor, foi apanhado a dormir no expediente!”), embora garbosamente escritos. Não acredito que a graça que Ivo Martins repete neste número pelo menos em duas outras ocasiões – “prejudicando” outros tantos discos –, desperte o que quer que seja além da perplexidade a quem pudesse, pelo contrário, ver suscitada a curiosidade sobre eles. No fundo, a única coisa que se pede aos que se predispõem a escrever sobre a música editada: que levem ao desejo da descoberta dos CD’s, ou que remetam os ditos para o espaço infinito do esquecimento. O que com a argumentação umbiguista e inconsequente de Ivo Martins seria grossa injustiça.

Verdades simples

What is considered normal for a person to feel in any place at any point is liable to be an abbreviated version of what is in fact normal, so that the experiences of fictional characters afford us a hugely expanded picture of human behaviour, and thereby a confirmation of the essential normality of thoughts or feelings unmentioned in our immediate environment.

[Alain de Botton, How Proust can change Your Life, Picador (1997), pág. 27]

Gulbenkian Jazz: triângulo seguido de quadrados

Vi hoje dois concertos do Jazz em Agosto, talvez os únicos a que assistirei este ano. Primeiro o trio de Mark Dresser (b), Denman Maroney (p) e Michael Sarin (b). Jazz livre q.b. que liberta o imaginário de quem vê. Temas do novo disco "Time Changes" - vende-se na bancada do Trem Azul à entrada dos recintos. Tirei algumas, poucas notas, com o prazer de quem se imagina confundido com um crítico de jazz a sério. A libertade tem contudo um risco: o de deixar-nos fora do momento presente. A música divaga, exótica, e apenas o nosso corpo se mantém na sala. (5/10)
À noite actuou no Anfiteatro ao Ar Livre o Jerry Granelli V16 Project - o baterista trouxe consigo duas guitarras e um baixo electrificados. Dois americanos para dois alemães. Pax. Granelli é a imagem chapada do saudoso António Champallimaud, versão alternativa, via Woodstock. A actuação foi demodé: guitarradas floydianas, funk previsível e corropio country & western bávaro. Tudo muito enfadonho. O "projecto" V16 revelou-se erro de casting óbvio da organização. (3/10)

quinta-feira, agosto 11, 2005

Alain Proust



Não sei se "Proust" poderá mudar a minha vida, mas bastou folhear o livro para que recebesse dois telefonemas animadores.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Matemática da malapata

Quando para o adepto no estádio aparentemente nada explica como pode haver espectáculo sem golos [Sporting 0 Udinese 1 (g.p.)], como é que certas bolas não entram... e ainda por que é que as poucas que o fazem são todas invalidadas, a matemática ajuda a não matar a cabeça. Assim, o Sporting terá de ir jogar a Itália como se estivesse na sua própria casa e terá que vencer marcando pelo menos dois golos válidos(!!), quer haja espectáculo ou não. Será isto possível? Eu que acabei de chegar de Alvalade, acredito que sim.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Blood on the tracks



Confundir com o outro fica ao critério de cada um.

O trunfo é "escárnio"


Albert Cossery

(...) - Heikal Efêndi*, começou ele, o que me traz aqui...
- Eu sei por que vieste, interrompeu-o Heikal em voz suave e erguendo a mão num gesto pacificador. Isso pode esperar. Deixa primeiro que me congratule com a tua presença.
- A bondade que mostras a meu respeito é infinita, prosseguiu Taher. Mas terás de desculpar, não há tempo para mundanidades. Vim aqui para ter uma explicação. Já tive oportunidade de dizer a este renegado – e apontou para Karim – o que penso da vossa acção. É nefasta. Prejudica grandemente a nossa honra de revolucionários, visto a polícia no-la atribuir. Gostaria portanto de saber exactamente que jogo é o teu.
Heikal teve um sorriso de delicada cortesia perante aquele ataque, de uma franqueza brutal e ingénua. Com que então Taher viera defender a sua honra de revolucionário! Tudo o que ele pretendia era não passar por um farsista aos olhos da polícia. Que ardor e que ímpeto na voz para exprimir o suplício que lhe ia na honra! Fazia mesmo questão de ser respeitado pelos seus algozes! Que ridícula atitude num revoltado! E nem sequer podia desfazer o círculo onde o poder sanguinário o encerrara. Jogava o jogo da honra e da desonra, como lhe tinham ensinado a fazer. Nunca dali sairia. Estava mais prisioneiro do que numa cela, porque os mitos em que a sua acção se alicerçava eram os mesmos que usava o adversário; pululavam e rodeavam-no por todo o lado, mais opacos que muralhas. Heikal receou que a ironia dos seus olhos fosse muito visível e desanimasse o convidado.
- Fizeste muito bem em falar de jogo, disse ele, dando ao rosto uma expressão sonhadora. Porque todos nós jogamos, não é verdade, Taher Efêndi? Lamento profundamente que o carácter do meu jogo te tenha desagradado e ocasionado aborrecimentos. Mas qualquer homem tem o direito de exprimir a revolta à sua maneira. A minha é o que é, mas pelo menos não atinge inocentes, Heikal Efêndi.
- Criancices, atirou-lhe Taher com desdém. Não duvido da tua inteligência, Heikal Efêndi. Mas perdoa que te diga que andas a divertir-te, ao mesmo tempo que um povo inteiro se encontra submetido. Não é assim que convém lutar. À violência responde-se com a violência; tem de ser assim. E estou-me nas tintas para os inocentes.
- Nenhuma violência poderá dar cabo deste mundo de doidos, respondeu Heikal. É justamente isso que os tiranos querem: que os leves a sério. Responder à violência deles com a violência é o mesmo que mostrar-lhes que os tomas a sério. É acreditar na sua justiça e autoridade, contribuindo assim para o prestígio deles; ao passo que eu procuro arruiná-los.
- Não vejo como! Os teus procedimentos não têm nenhuma base histórica, não passam de farsas insípidas.
- Contribuem para essa ruína da maneira mais simples. Seguindo os tiranos no seu próprio terreno, tornando-nos ainda mais bobos do que eles. Até onde irão eles? Não interessa, porque irei sempre mais longe. Obrigá-los-ei a ultrapassarem-se na palhaçada, e isto para meu grande divertimento.
- Mas então, e o povo? clamou Taher. Tu esqueces o pobre povo! Ele não ri, não se diverte!
- Se assim é, ensina-o a rir, Taher Efêndi. Aí tens uma nobre causa.
- Não sei rir, disse Taher em voz surda. Eu próprio nunca aprendi a rir. Nem quero aprender.
Era uma confissão nostálgica, como a confissão dum amor impossível e doloroso. Heikal sentiu a sua satisfação desfazer-se. Era verdade que Taher ignorava o riso, bastava olhar para ele para o confirmar. Continuamente agarrado à ideia das lutas futuras, passava o tempo a promover conspirações, angustiado até à obsessão com a miséria do povo, parecendo sobretudo condenado à desgraça. Era um perfeito funcionário da revolução. Fora do papel que assumia, nada para ele tinha importância; e o seu papel era o de salvador predestinado, encerrado no seu egoísmo. Que era a pior forma de egoísmo, e a mais atentatória, visto englobar um grande número de seres, colectividades inteiras, para se alimentar e prosperar.
- Nesse caso, disse Heikal, muito receio que te tornes objecto do riso dos tiranos. Um dos dois terá de rir do outro.
- Que presunção, Heikal Efêndi! Por acaso nunca te ocorreu que é possível abaterem-se os tiranos?
- A um tirano morto prefiro um tirano ridicularizado. É um prazer mais durável. (...)

[Albert Cossery, A Violência e o Escárnio (Antígona, 1999), trad. Júlio Henriques, págs. 168/171]

* Efêndi – Palavra turca, efendi, do grego authéntes. Senhor, título honorífico dos funcionários civis, dos ministros do culto e dos sábios, na Turquia. Por extensão, forma de tratamento respeitosa nos países árabes, pondo-se depois do nome próprio.

Avançado



O segundo golo de Drogba que garantiu a vitória do Chelsea sobre o Arsenal (2-1) na Supertaça inglesa foi um prodígio de resistência, insistência e finalização. O melhor golo da rentrée.

Ibrahim Ferrer (1927-2005)



Hasta siempre guapo! Tu CD sigue siendo el mejor de la serie Buena Vista Social Club.

Ah pois é!

Prioridades
Já houve vezes em que me pediram para saírem uns minutos para fumar. Ou para irem à casa de banho. Mas para telefonarem a confirmar que o Sporting venceu foi a primeira vez.
A inconsciência, note-se, vai na segunda geração: soube depois que era o pai que, atencioso, usava o SMS para manter informado o filho que realizava um teste nocturno. Quem sai aos seus...
O aluno em causa acabou por desistir do teste. O saldo da noite, no entanto, foi positivo: o Sporting seguiu em frente. E isso, já se vê, é tudo o que interessa.
Fernando Gouveia (FG) 14/04/2005, na última Periférica

Presença do espírito



Ou a imagem que assenta a este fim-de-semana passado em excelente companhia. Espero que os demais presentes concordem com a desproporção da escolha. É que Shane McGowan andou por lá e não só em espírito: que o diga a rapaziada encarregue da música (éramos quase todos!) e/ou da reciclagem do vidro. Alcoólicos mas amigos do ambiente.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Livros Expresso



... a partir da revista Única nº 1709 de 30 de Julho 2005

Limpo
«How Proust Can Change Your Life», de Alain de Botton, precisa de ser traduzido para português. Com urgência. Trata-se da alínea a), do ponto um da lista de prioridades para o país. Lei das rendas? Mário Soares candidato à Presidência? Nada disso interessa. Alain de Botton analisa com sofisticação e humor os ensinamentos de Proust. Por exemplo, a atenção que devemos dar (ou não) aos livros, a necessidade de percebermos até que ponto sofremos por sabedoria ou por falta de saúde mental, como podemos ser felizes no amor (um capítulo encantador, só com perguntas e respostas) ou como devemos expressar as nossas emoções, para que nos levem a sério. Os problemas de sempre, muito bem escritos.

[Bomba Inteligente, Carla Hilário Quevedo]

(...) Pensa voltar a casar?
Não... Uma vez, aos 18 anos, li «O Fio da Navalha», do Somerset Maugham: um tipo tem uma vida muito cheia, materialmente confortável, e vai à procura do Nirvana lá para o Tibete. Sempre tive essa mania, que quando chegasse aos quarenta e tal anos, gostava de ter tempo para alguma coisa parecida. Não vou à procura do Nirvana, mas de algo motivante.
O Tibete não tem discotecas. (...)

[Pedro Santana Lopes entrevistado por Mário Ramires e Vitor Rainho]

(...) De modo que, em vez de dizerem a verdade, os portugueses, quando devida e severamente inquiridos, nem que seja pela curiosidade da família, a inocência dos filhos carregados com o último Harry Potter em inglês que não conseguem decifrar, ou a distracção atenciosa dos amigos, quando lhes perguntam, o que vais fazer com tanto tempo livre nas férias?, os portugueses mentem. Mentem com quantos dentes têm na boca. E dizem que vão ler. Que vão ler aquilo, aquelas coisas, o Homero traduzido em português dans le texte e misturado com a areia da praia, o Dan Brown em inglês dans le texte caído no bordo salpicado de cloro da piscina, e quiçá um pesado romance de século XIX, que andam para «reler» (outra mentira, mais fina, é a dos que deixaram de ler, apenas relêem) há anos, que pesa pelo menos 489 gramas e que eles tentarão equilibrar numa mão, enquanto seguram o toldo do vento e a trela do cão na outra. (...) Para escapar a esta ditadura do ler e escrever, eu decido todos os anos inaugurar as minhas férias na rota para sul e para o Algarve, parada numa bomba de gasolina da auto-estrada e comprando material de leitura. É, digamos assim, a minha iniciação aos ócios. Paro e compro, junto com o gasóleo e a garrafa de água mineral, uma «Hola!» (...) Adoro a «Hola!». E, quando vierem os espanhóis comprar o que resta deste nosso Portugal iletrado, inculto, analfabeto e ingovernado, eu pelo menos estou na linha da frente dos traidores. Conheço os nomes de todos os filhos da defunta Lola Flores, sei que a Isabel Pantoja esteve, há anos, «muy contenta com mis siliconas», e que a Isabel Preysler continua casada com o Boyer e a representar a Porcelanosa. Sei mesmo o que é um «jugador de baloncesto», o que os leitores atentos de Homero na piscina não sabem. Estou governada. E, no resto do ano, vou ler. Ler e reler, claro. E escrever muito, para ganhar a vida.

[Pluma Caprichosa, Clara Ferreira Alves]


E EU, CONTANDO QUE ESTOU em ficar à beira da piscina de água salgada, em casa alheia, carregarei as leituras do resto do ano. Sempre mais motivado para começar novos livros do que para terminar de os ler.

Italiano para principiantes

Peseiro tem uma semana para melhorar:

O sentido posicional de Edson a defender;
A condição física de Rogério;
A opção por Custódio em relação a Loureiro;
A consequência dos sprints de Douala;
O ascendente no jogo distribuído quer por Moutinho quer por Rochembach;
O entrosamento entre Liedson e Deivid;

E então sim, tchau Udinese!

quarta-feira, agosto 03, 2005

I hope soon!


Casmurrices


Drummond de Andrade: casmurro antes do tempo


GRAVAÇÃO

Pronto, tá ligado. Posso começar?
- Pode.
- O senhor se sente realizado?
- Por que você quer saber isso?
- Nada não. O professor é que mandou lhe perguntar.
- O professor tem interesse em saber se eu me sinto realizado?
- Sei não senhor.
- Então diga ao professor que venha me procurar.
- Pra quê?
- Para eu lhe perguntar se ele se sente realizado.
- O senhor vai perguntar isso a ele?
- Vou.
- O senhor também está estudando? Nessa idade, poxa!
- Que que tem? Toda idade é boa para estudar, a gente não acaba nunca de saber as coisas. Mas não estou estudando não.
- Então por que vai perguntar isso ao professor?
- Porque se ele quer saber se eu me sinto realizado, eu também quero saber a mesma coisa dele. Indiscrição por indiscrição.
- Gozado... Mas se o senhor fizer isso, não bota o meu nome no meio, porque vai dar grilo. Vê lá, hem?
- Fique descansado. Não vou comprometer você.
- E o senhor só vai responder à minha pergunta depois de falar com ele? E se ele não responder? Se demorar? Tenho de entregar esta entrevista até quinta-feira.
- Bem, eu respondo agora mesmo.
- Então, responde, vamos lá.
- Primeiro eu preciso saber: o que é se sentir realizado?
- O senhor não sabe?
- Para dizer o que eu sinto, quero saber antes se o que eu sinto é o mesmo que se deve sentir quando se está realizado, ou se julga estar. E para isso é preciso saber o que é estar realizado.
- Poxa, não complica.
- Estou complicando, meu querido? Minha intenção era simplificar, esclarecer. O que é mesmo se sentir realizado?
- Ora! Se sentir realizado é... quer dizer... Não sei explicar muito bem, mas o senhor entende, né?
- Mais ou menos. Quer dizer: menos. E você?
- Se o senhor não entende bem, eu é que vou entender?
- Então, como é que eu posso responder?
- Ué, o senhor é o entrevistado, o que sabe das coisas.
- E quando não sei?
- Não sabe se está realizado?
- Não sei nem o que é realizado.
- Corta essa. Não vai me dizer que não tem dicionário em casa.
- Tenho alguns, mas em vez de me tirarem as dúvidas, me acrescentam outras.
- Desculpa, mas o senhor é enrolado, hem? Será que não achou o significado de realizado?
- Achei quatro ou cinco. Quer ver? Olhe aqui. O primeiro é o de coisa ou negócio que se realizou, que se tornou real. Será que me tornei real? E antes não era? Que que eu era então? Fantasma? Projeto?
- Assim o senhor me funde a cuca.
- Não tenho intenção.
- E os outros significados?
- No fim, está o neologismo, e aí é que – desculpe a expressão, que não costumo usar, mas me deu vontade – aí é que a vaca vai pro brejo. Aqui está: “indivíduo realizado: dito por uma pessoa, de si própria, quando considera ter alcançado todos os seus objetivos no terreno ético ou no de suas atividades profissionais ou artísticas”.
- Tá legal.
- Legal no papel, mas e dentro de mim?
- Dentro do senhor o quê?
- Quais são meus objectivos no terreno ético, ou, mais modestamente, no terreno de minhas atividades profissionais ou artísticas? Tenho objetivos éticos definidos? Quais são? São meus ou me são impostos ou sugeridos pela educação e pela conveniência social? Se fossem exclusivamente meus, quais seriam? E em minhas atividades práticas ou criativas? Que é que eu pretendo? Pretendo sempre as mesmas coisas? Não mudo de alvo? Não danço conforme a música ou até sem ela e contra ela? Que é que eu sei de positivo a respeito disso, ao longo de minha vida? Que pretendia eu há 20 anos? Há 10? Na semana passada? Me procure depois de eu morrer. Aí então posso dar balanço.
- Chega! Chega!
- Estou caceteando você?
- Não está enchendo não. É que a fita acabou. Até que a entrevista foi bacana, um tremendo barato. O professor vai delirar, a turma também. Um cara que não sabe se está realizado nem o que é realizado! Papo findo, tchau!

[Carlos Drummond de Andrade, As palavras que ninguém diz – Crônica (Record, 8ª Edição, 2004), págs 31/34]

Outros blues, a mesma verdade abstracta



Se a música dos agrupamentos liderados por Graham Collier na década de 60 é o que é (isto é, muito boa!), é porque pega directamente no legado dos melhores: Miles Davis, Oliver Nelson ou Eric Dolphy. Como se todos os bons caminhos dessem ao núcleo - melhor dizendo, fossem dar ao "centro".

(further adventures... )

terça-feira, agosto 02, 2005

Distracção

O disco está de regresso à loja do Trem Azul onde aliás não chegou a esgotar. Apareçam, telefonem, sei lá, façam qualquer coisa!

Uma lição de amizade



"Expliquei-te que não tenho nada a ver com isso. Dou-te os discos porque sou teu amigo e não pelo trabalho que fizeste." Eu eu, sem jeito, a desfazer-me em pretextos para receber os CDs, pela manifesta dificuldade em aceitá-los com base apenas na amizade.
Acho que também se aprende a receber. Hoje recebi uma lição de amizade. Pelo menos uma bofetada de luva branca...

segunda-feira, agosto 01, 2005

"Podemos voltar?"



Um casal de namorados chateados seriamente um com o outro foi dar um passeio à beira-mar de onde não regressou, pois nenhum dos dois quis abrir a boca para dizer o que quer que fosse. A maré apagou-lhes o rasto.


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