Não faço outra coisa que pensar em ti: Não faço outra coisa que pensar em ti.../ Para elogiar-te e para que se saiba,/ peguei papel e lápis e espalhei/ as provas do teu amor sobre a mesa.// Pensava numa canção e perdi-me/ num amontoado de palavras gastas./ Não faço outra coisa que pensar em ti/ e não se me ocorre nada.// Acendo um cigarro, e mais outro.../ Um dia destes hei-de considerar/ muito seriamente deixar de fumar,/ com esta tosse que sinto ao levantar-me...// Procurei, olhando o céu, inspiração/ e deixei-me ficar suspenso lá no alto./ Por certo que ao tecto não iria nada mal/ uma de mão de tinta.// Olhei pela janela e deixei-me ir/ com uma miúda que passava de bicicleta./ Distraí-me com um vizinho que também nada/ mais fazia que coçar a cabeça.// Não faço outra coisa que pensar em ti.../ Nada me dá mais prazer do que fazer canções,/ mas hoje as "musas" nada querem comigo./ Estarão de férias. (CD
En transito, tradução minha)
Os cubanos adoram Serrat tal como eu. O músico catalão actuou em Cuba inúmeras vezes entre o final da década de sessenta até inícios dos anos oitenta e as suas canções não mais deixaram de se fazer ouvir na rádio que preenche parte do quotidiano das famílias cubanas. Uma das maiores fãs de Serrat, Idiolídia Benítez, que esteve por detrás de cada concerto dele em Havana deu início ao projecto
Cuba le canta a Serrat que reúne os melhores músicos do país - e são mesmo os melhores, Omara Portuondo, Orquesta Aragón (que interpreta em ritmo de salsa
No hago otra cosa que pensar em ti), Ibrahim Ferrer, Frank Fernández, Pablo Milanés, Chucho Valdés, Pio Levya, Leyanis López e vários outros -, entre jovens e consagrados, em torno do cancioneiro serratiano que celebram com ritmos cubanos e dos trópicos em geral.
Joan Manuel SerratCuba le canta a Serrat resultou num duplo-CD que num dos lados tem ainda um documentário sobre a produção do disco e sobre a relação de Serrat com Cuba ao longo dos anos, que é interessante de ver e ouvir. Todos os intervenientes admiram Serrat incondicionalmente e, acho, têm os melhores motivos para o fazerem. Joan Manuel Serrat, que leva já mais de trinta anos como cantautor, é o maior escritor de canções em língua espanhola vivo - embora parte do seu repertório seja em catalão, o que não deixa de ser língua de Espanha - e goza de um estatuto incomparável quer junto do povo, quer no que respeita aos meandros intelectuais. A sua escrita é marcada por uma doce ironia, uma invulgar capacidade de observação e crítica social, sempre individual, despolitizada, porque próxima das gentes e nada mais. Serrat tem uma curiosidade insaciável pela vida e pelas pessoas. E tem também capacidade para desmontar as imperfeições do ser humano colocando-se a um mesmo nível, sendo muitas vezes o protagonista das histórias que canta. Há nele imensa compaixão e alguma ambiguidade. O individualismo próprio ao observador é o seu, a quem também ocorre participar daquilo que regista em verso. É por vezes romântico - quase no sentido feminino (se bem que a idealização não deixe de ser masculina, pois então...) - mas não demasiadamente sentimental. Respeitador da complexidade de cada homem e de cada mulher. Com letras mais directas e outras mais ambíguas (um pouco de Brel, um pouco de Milanés; um pouco de Neruda, um pouco de Machado) - poeta, músico e intérprete (ah... aquela voz) excepcional. E um homem exemplar em vários campos da vida (leiam as suas entrevistas), sempre!
Os cubanos também sentem muitas destas coisas e resolveram prestar-lhe justa homenagem.
Cuba le canta a Serrat é um disco feliz que ainda mais do que o homem, Serrat, celebra a imprevisibilidade da vida - cheia de coisas boas e más. O CD-duplo mais DVD, pelo contrário, só as tem boas.